O Tribunal do Júri Popular.
Nascido na Inglaterra no século XIII ganhou proporção em nosso ordenamento jurídico, tornando-se potência como cláusula pétrea na constituição de 1988, inserido no Título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais, tendo assim competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, ou seja, tentativa de homicídio, homicídio consumado, aborto e incentivo ao suicídio.
A Instituição do Júri Popular é de fato, apaixonante, não só para quem o estuda, mas também para quem é leigo no assunto e mero espectador, pois quando se fala em crime doloso contra a vida, difícil não firmar a atenção no assunto.
Nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri, não basta apenas que os aplicadores da lei, promotores e advogados sejam dotados apenas de conhecimentos jurídicos, é de extrema importância que esses profissionais tenham emoção, paixão pela causa e claro indispensavelmente a vocação pra tal militância.
Os jurados são pessoas comuns, sem conhecimento jurídico, técnico e sensibilizadas com fatos que ocorrem no dia a dia e que representam a sociedade como um todo no ato do julgamento.
Esses juízes de fato, ao fim dos trabalhos proferirão o veredicto final, e como já dito, são pessoas comuns, e de diversas personalidades, que certamente são levadas pela emoção.
Por isso a importância dos profissionais que atuam no Júri. Não basta apenas enfatizar a lei e sua aplicação, claro que não menos importante, mas sim, passar a essas pessoas a emoção e o convencimento das circunstâncias, motivos e outros requisitos que levaram àquele julgamento.
Trabalhamos então com dois dos maiores bens jurídicos protegidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, o primeiro a vida e por consequente a liberdade.
Os sete jurados que compõe o conselho de sentença, apenas com conhecimento naturais, não tem para tanto conhecimento técnico e que também não tiveram acesso ao inquérito policial, às perícias dos autos e não acompanharam as investigações do caso, e o que certamente formará o seu convencimento para proferir um veredicto final, será a exposição da tese da defesa ou acusação, que por sua vez, persuadirá vossas consciências.
Neste meio de divergência, esta o douto professor Nelson Hungria[1] “O Júri só interessa ao povo como espetáculo, como show, como tablado de ring, em que os promotores e os defensores se defrontam para gaudium certaminis, para os duelos de oratória. É uma peça teatral que o povo assiste de graça e exclusivamente por isso é que desperta ainda a sua simpatia”.
Nassif[2] ressalta que, “de fato o júri é teatro”. “Porém, longe de ser negativo, isto constitui um ponto positivo”. Pois, para formar o “convencimento íntimo”, os jurados devem receber todas as facetas interpretativas possíveis da situação fática.
Como referido por Nelson Hungria, no espetáculo do Tribunal do Júri a posição de autor e diretor de um respectivo enredo caberá ao defensor e ao órgão acusatório, que por isso buscarão retratar aos jurados, de forma minuciosa, os seus personagens do processo (réu, vítima, testemunha etc.) criando ou fortalecendo vínculos, tudo para obter dos jurados sentimentos de simpatia/antipatia, empatia/apatia, brandura/rigor, de acordo com suas pretensões.
Há quem defenda que o Tribunal do Júri julga o fato; ouso dizer que, no Júri, julga-se muito mais o ser humano que o fato por ele praticado. Não é comum que o inocente de um crime seja condenado por ter protagonizado uma vida desregrada, o que capitaliza as frágeis provas da acusação; lado outro, também é possível que o culpado seja absolvido por ostentar uma vida reta, o que enfraquece o encarte probatório.
Por isso, o histórico de vida do réu e, por vezes, da vítima, precisa ser retratado com detalhes aos jurados, para que entendam o porquê do fato. Afinal, ninguém se torna homicida do dia para a noite (salvo demência), e embora o porquê do fato nem sempre o justifique para fins de absolvição, poderá, por vezes, trazer aos jurados condições mais adequadas para acolher um privilégio, afastar uma qualificadora etc.
Clarice Lispector, escritora e jornalista ucraniana naturalizada brasileira, disse:
Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter... calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas, e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderá me julgar. Cada um tem a sua própria história.
É um alerta e tanto a ser feito aos jurados quando do início da exposição defensiva. De fato, cada um tem a sua própria história; a nossa vida é um rio que corre, é uma estrada que segue e da qual não podemos retroceder, e tampouco dela desistir.
Desde que nascemos a trajetória da nossa vida é pontilhada pelas nossas escolhas, pelas decisões boas ou ruins que tomamos num determinando contexto em que estávamos inseridos. É decidindo, é seguindo em frente, errando ou acertando que vamos demonstrando à sociedade o tipo de pessoa que somos, e assim construímos a nossa imagem, a nossa moral, apesar das falhas que todos temos como seres humanos.
De certa forma, somos produtos do meio em que vivemos e das escolhas que fazemos, e nessa perspectiva ninguém é tão puro, correto e bondoso digno de postular para si um predicado angelical, como também ninguém é tão impuro, incorreto e maldoso que não tenha feito algo digno de ser elogiável, enaltecido e que, no Tribunal do Júri, não possa servir de contraponto às alegações feitas pela parte ex adversa.
Todas as diversidades pelas quais o réu passou, antes e até mesmo depois da prática do delito, podem desaguar em uma decisão favorável dos jurados. A título de exemplo, cito aqui uma situação na qual um sicário (matador de aluguel) foi absolvido, apesar de um conjunto de provas fartíssimo e fortíssimo em seu desfavor, porque dias antes do seu julgamento pelo Júri sua esposa e filho, ao se dirigirem de uma cidade vizinha para visitá-lo na cadeia pública, se envolveram, no trajeto, em um acidente no qual ambos vieram a óbito. A tese da Defesa, centrada neste pós-fato, foi unicamente a clemência, e foi acolhida pelos jurados, pelo que reafirmo que os jurados não julgam apenas o fato em si, mas toda a história de vida do ser humano, o antes e o depois do fato.
Se o defensor tiver habilidade suficiente para remodelar o enredo inicial proposto pela acusação (que é quem escreve a primeira parte da narrativa), levando os jurados a conhecer o ato em sua inteireza (completude), redesenhando cada cena (momento, situação de fato) e assim potencializando as emoções dos jurados (e Freud já dizia que o ser humano é instinto, é pulsão), o epílogo poderá ser o almejado.
[1] Apud MENDONÇA LIMA, op. cit., p. 21. Art. Prof. . Bráulio Eduardo Pessoa Ramalho.
[2] Op. cit. , p. 123. Art. Prof. . Bráulio Eduardo Pessoa Ramalho.